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quinta-feira, 9 de abril de 2009

História de uma dança

Em junho "A CADEIRINHA E EU" completa quinze anos de apresentações. Nossa !!!!! 15 anos , parece que foi ontem... Lembro como se fosse ontem - a Ana Aragão tocando a campainha as 7:30 da manhã de um sábado e me entregando a cadeirinha, nesse mesmo dia substitui o tijolo pvc pela cadeira , primeira mudança significativa, muitas cenas mudaram ,outras apareceram e desapareceram, a entrada da cadeira mudou o nome do solo - virou : "A CADEIRINHA E EU" .Nunca vou esquecer a emoção desse presente. Alguns dias depois veio a música- foi Gilberto um namorado que tive que era gerente de banco -uma graça ele... Me deixou de legado a música da cadeirinha - ele ouviu e me disse - te dou ,porque parece demais com você - era em inglês- eu não gosto de inglês, não gosto de usar música cantada em espetáculo, quando ouvi - tive certeza que usaria aquela música, parecia ter sido feita pra ser usada naquelas cenas, tinha a exata densidade que eu buscava . Obrigada Gilberto, Obrigada Ana.
No meio disso engravidei duas vezes , outras cenas foram retiradas ,outras se estabeleceram como necessidade.De novo mudanças que se organizaram como construção.
Agora passados quinze anos , a cadeirinha esteve quebrada - duas vezes, foi uma dor enorme num novembro , 13 anos de uso,no Crato em plena apresentação na Mostra SESC Cariri ela quebrou pela primeira vez- por alguns segundos o ar me faltou -alguém da platéia me socorreu e depressa gritou : chama um médico !!!!!! Eu pensei deve ser pra mim - não era, era pra cadeira ,nesse dia teve ambulância em cena , Juro- quase não consegui terminar , acho que foi uma das poucas vezes que quiz parar a cena e dizer -chega , acabou, preciso sair e chorar. Sinto medo.Não quero continuar.Desculpem .
Mas, engoli o choro forte e conclui ,inventei um final,várias pessoas nesse dia choravam na platéia.Sei que viram meu desespero ,meu desconsolo.
No outro dia minha cadeira foi parar nas mãos de um carpinteiro que tinha ateado fogo no próprio corpo - minha Jóia - cheguei nele através de um anjo cujas asas não se vê - Adrião Sisnando - De novo tive medo. Sabem , minha cadeira não tem prego algum,é de madeira ,feita de encaixes perfeitos e colados- Rezei pra Minha Jóia não cismar e tocar fogo na cadeira ou colocar prego ,foi uma noite muito dificil essa , de uma espera atormentadora - o que me consolou foi o brilho no olho de Minha Jóia quando viu a cadeirinha e disse- deixe comigo ,amanhã ela vai ter nascido de novo.Minha Jóia fez um engate perfeito pra ela, ele estava ainda todo queimado, tinha chegado do hospital fazia dois dias - quando fui receber e quiz saber quanto custava ele disse - deixe pra lá - eu que agradeço ,quase nunca tenho chance de ver alguém tão preocupado com um pedaço de madeira, leve ela bixinha, leve ela.
Nunca vou esquecer Minha Jóia .
Um ano depois que ela havia quebrado- quebrou novamente, pensei está frágil , e agora pra quem vou entregar ????Lembrei do Paulo, um marceneiro de mão cheia que namorei e que me conheceu numa apresentação da cadeirinha. Dessa vez foi menos doloroso, não tive tanto medo, porque consegui em cena encaixar e na hora já pensei no conserto . Respirei fundo e disse pra ela: Aguenta Amiga,Aguenta Firme.!!!!!
Entreguei nas mãos do Paulo e ele me devolveu perfeita. E nesse dia decidi que precisava fazer outra cadeira, embora eu saiba que será muto dificil usar . O Paulo fez uma nova, não é nem de longe igual a minha, é linda, só que tem uma outra beleza.Ainda não consigo tocar nela e pensar - usarei em cena...
Quartorze anos depois de uso - minha bota foi sequestrada pelo sapateiro.Outra dor enorme - Sumiu com minha bota usada, gasta , quebrada.A bota eu ganhei de uma pessoa da platéia , bem no começo,ele perguntou como podia contribuir com o trabalho e eu disse brincando - preciso de uma bota para completar meu figurino. No outro dia havia uma bota me esperando na recepção do Theatro José de Alencar - ele o rapaz, eradono de uma fábrica de sapato - DI Couro.
Agora tenho uma nova cadeira que ainda não foi testada, e preciso comprar uma bota. Dificil mudar pra mim. A cada detalhe eu me apego como se fosse caso de vida ou morte - Tive um outro vestido, longo, que dificultava meus movimentos, há mais ou menos uns 10 anos mudei o vestido pra esse que uso agora, foi dificil me acostumar,ainda olho o vestido antigo de vez enquando. Minha mãe costuou os dois vestidos , do jeitinho que só ela sabe fazer.
Também houve um tempo que tive que me acostumar sem as tranças. Adoeci, engordei muito e decidi cortar o cabelo curtinho, sem tranças muita coisa da movimentação ficou sem força, tive que mudar a movimentação, escolher outros momentos ,criar outras cenas. O cabelo demorou muito pra crescer e as tranças voltarem novamente com toda força.
Uma vez perdi a música, o CD sumiu. desespero total dia de apresentação - Fernando me salvou - achou a música na internet , hoje tenho várias cópias, pro caso de um sumiço desses acontecer...
Cheguei a apresentar sem música.Não tinha som,fiz assim mesmo, e numa praça pública .
Mudanças fortes aconteceram nas cenas em duas situaçoes - quando entrei na cadeia feminina para trabalhar, e quando tive que mexer nas cenas para usar no espetáculo no Japão. Tudo foi acrescentado , ganhei as florezinhas do cabelo, no Japão- Miyuki me deu. Passei a usar.
Agora completaremos quinze anos...Já estivemos em hospitais ,escolas , assentamento,invasão de terra,festa de quinze anos(duas vezes) ,asilos,Universidades,cadeias públicas, penitenciárias, orfanatos, comicio politico, bares , fábrica, numa calçada,repartições públicas, vários circos, Comemorações de dia das mães, natal,dia das crianças, dia mundial de teatro, aniversário de Palhaço - Seu Trepinha, feira,festa de aniversário de avó,televisão,manicômio, maternidades, praças, Shoping,Festivais, Mostras de teatro e de dança, Teatros, outras cidades , outros estados , outros países. Crianças ,adultos , idosos...
Apresentei primeiro numa festa no Pirata Bar , realizada por mim e Ana Aragão,ainda sem todos os elementos , depois fiz sua estréia no palco do Theatro José de Alencar em junho de 1994 dentro de um espetáculo de encerramento de um processo que durou 8 mêses ,uma oficina - A DANÇA NO TEATRO que teve como encerramento o espetáculo "Perdas Momentâneas da razão". Foi muito importante pra mim esse trabalho, nele fortaleci e criei laços com amigos que trago comigo até hoje - Marconi Basilio , Gorete Pereira, Milton Paulo, Karin Virginia, D. Maria, Sâmia Bittencourt, Maria Rosa, Jorge Luis Viana, Nixon Fernandes e outros .
Não tenho como descrever as vezes que me emocionei.
Quantas vezes me apresentei??? ?Para quantas pessoas????
Em quantos lugares?????
Poucas vezes cumpri uma apresentação,com essa idéia de cumprir. Quase sempre é mesmo único, mesmo sabendo para onde vou- vou para um lugar diferente em mim, novo, que me suspende , me questiona, me emociona , me surpreende.
Construimos uma história...Ela e eu...Sempre , pra onde vou, levo a cadeirinha, ás vezes nem sei se vou me apresentar, mas, levo . Por pura necessidade da segurança de sua companhia, e por saber que se em algum momento for possivel - vou querer fazer.Vou querer dividir com alguém essa construção ,esse momento , essa reflexão sobre o universo feminino- o meu feminino,construido á partir de dentro de mim,das minhas memórias ,das minhas observações , das minhas inquietações.
"A CADEIRINHA E EU" conta parte da minha existência. Eu criança, eu adolescente ,eu mulher ,mãe, eu e meus medos, minhas fragilidades, minhas forças.,minhas decisões ao longo dessas mudanças.
É um testemunho de mim.
Quinze anos...
Comemoraremos...Porque estamos vivas, quebramos , mas, tem conserto.Porque mudamos, mas

somos fléxiveis , conseguimos absorver as mudanças ,mesmo com dor , com resistência.Porque somos memória.Porque somos a nossa história sendo criada a cada dia,a cada novo encontro.E éuma alegria renascer.
Quinze anos resistindo, enfrentando, fazendo um espaço do possível.
Agradecida "CADEIRINHA", por ser instrumento de uma busca por mim mesma , instrumento de troca de emoção, de sensações , de possibilidade de encontros, de permição de afetos.
Agradecida...
e só para não deixar passar agradeço:
Ana Aragão,Gilberto, Adrião Sisnando. Minha Jóia, Paulo Marceneiro,D.Irene - minha mãe,minhas filhas - Maira , Eloá e Iná,Fernando Braga,e todas as pessoas que me convidaram para cada apresentação.Algumas já fizeram isso muitas vezes.
Agradecida... A todos o meu carinho e o meu afeto.
Silvia Moura

Um comentário:

  1. Teus sentimentos são lindos minha querida.
    outro dia tava lendo werther e lembrei de vc nos trechos "Dir-se-ia que a dança existe somente para ela e que ele não pensa e não existe senão dançar porque nesse momento a seus olhos tudo o mais é como se não existisse..."
    assim é como na música e nos sonhos...enchem-se de possibilidades! beijos espero vê-la em breve.

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