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domingo, 1 de fevereiro de 2009

um texto de Clarice

OLHE PARA TODOS A SEU REDOR
Clarice Lispector
Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceitado o que não entendemos, porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não esteja catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregado a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós, que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação, para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra Amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível.
Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior, e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo”, e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia... A vitória nossa, de cada dia...

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