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domingo, 22 de março de 2009

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém.Nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minhas mão. Seu focinho é úmido e fresco.Eu beijo o seu focinho.
Quando eu morrer,o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave.
Aviso que ele não tem nome : basta chamá-lo e se acerta com seu nome ou não se acerta,mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo - casa é livre, ele trota sem ruídos e vai.
Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesmo que está relinchando de prazer e de coléra, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.
Às vezes penso que o cavalo sou eu própria. Será ????
Clarice Lispector.

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